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Entrevista com o presidente do Sindicato de Jornalistas de Angola sobre as mobilizações no país

Entrevista com o presidente do Sindicato de Jornalistas de Angola sobre as mobilizações no país

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A Rede Sindical Internacional de Solidariedade e Lutas entrevistou Cândido Teixeira, presidente do Sindicato de Jornalistas de Angola.

Nesta conversa, pudemos explorar a dinâmica de uma mobilização intensa que tomou o país, marcada por uma greve geral de importante impacto, especialmente no funcionalismo público.

Cândido compartilhou suas avaliações sobre os motivos por trás dessa onda de protestos, os desafios enfrentados pelos manifestantes e o impacto potencial desses eventos na sociedade angolana.

Mobilizações no país

Segundo o jornalista, Angola passa por um período de mobilização intensa, com destaque para uma greve geral que afeta principalmente o funcionalismo público. Isso reflete um desejo generalizado por mudanças e melhorias na sociedade angolana.

O que motiva os protestos

Cândido ainda afirma que os protestos em Angola são motivados por uma variedade de questões, incluindo direitos trabalhistas inadequados, condições socioeconômicas difíceis e uma crescente insatisfação com o governo, sobretudo quando o assunto é corrupção e falta de transparência com verbas públicas.

Repressão e poder

Na entrevista, Cândido aborda os desafios enfrentados pelos manifestantes, como a repressão e violência de Estado, a falta de recursos e resistência à mudança por parte das autoridades que querem permanecer no poder.

Impacto Potencial na Sociedade Angolana:

Nosso entrevistado ainda reflete sobre o poder da mobilização em Angola e o potencial de desencadear mudanças significativas na sociedade, incluindo transformações políticas, sociais e econômicas que podem moldar o futuro do país.

Confira a entrevista completa ou assista no Youtube:

Rede: Em conversa com o professor Admar e o Dr. Adriano, eles falaram muito sobre a greve geral, sobre como se deu. Gostaria de saber sob o ponto de vista mais político, na sua opinião qual o impacto da dívida externa sobre o empobrecimento e na construção da greve?

Cândido: Bom, é um impacto. É uma dívida enorme, como sabem Angola tem uma dívida pública avaliada em 50.000 Milhões de dólares (50 bilhões) e isto representa que o orçamento geral do Estado, metade desse orçamento, serve para pagar a dívida pública, portanto ao governo fica com quase 50 e tal para todas as despesas, despesa com pessoal, salários para função pública, e como sabem a função pública em Angola é muito muito muito densa, porque o maior empregador é o Estado em Angola, não é o privado, nós não temos um setor privado tão robusto que acolha pelo menos a maior parte dos angolanos.

A maior parte dos angolanos trabalha para o Estado e os médicos, os professores, o exército, a polícia nacional e o exército, estes são o setor com maior número e que consome a maior parte da receitas do Estado, mas temos também todo um conjunto de problemas por resolver, como sabem agora não tem uma autoestrada, o que não permite, por exemplo, que haja um investimento fora dos centros urbanos, por exemplo, a agricultura sofre com isso, a própria indústria.

Quase que importamos tudo o que consumimos aqui em Angola, fundamentalmente a questão Industrial é muito residual. Nos últimos anos começou a haver algum investimento privado mas muito residual.

E então a dívida pública tem uma expressão enorme no empobrecimento da população. Temos um problema que tem que ver com a disciplina orçamentária e a qualidade da despesa, ou seja, é que as unidades orçamentárias, estamos a falar unidade orçamentária, são aquelas que beneficiam do orçamento geral de Estado, elas quase não têm nenhuma disciplina.

O Parlamento não consegue acompanhar, por exemplo, não consegue fiscalizar no momento exato, na medida em que a conta geral, que é a execução do orçamento, ela é entregue 4, 3 anos depois da execução do orçamento, de modo que o Parlamento não tem condições de fiscalizar concretamente, ou seja, como sabem, o orçamento Geral do Estado é uma previsão de receita e despesas, aprovado esse orçamento Geral do Estado, depois segue-se a fase da execução, esta fase da execução, depois tem que haver uma conta geral, nós chamamos conta geral, é a soma da execução daquilo que foi executado, daquilo que não foi executado, que tem que ser presente ao Parlamento, para o Parlamento poder fiscalizar exatamente se foi respeitado ou não as verbas alocadas para cada uma das unidades orçamentadas.

O certo é que, em Angola, o Parlamento não consegue acompanhar, porque o governo não respeita a Constituição, que estabelece que a conta geral devia ser entregue no ano anterior à aprovação do novo orçamento. O certo é que não sabe, o que resulta numa indisciplina e depois temos o Presidente da República que governa com decretos, com adjudicação direta como nenhum outro na história.

Segundo o partido de oposição, o UNITA, que é o maior partido aqui de oposição,  um levantamento da quantidade de decretos de que adjudicar ou contratos diretamente, isso chega a mais de do que Angola solicitou por exemplo ao FMI, que são 3 bilhões de dólares. Angola solicitou um apoio financeiro do Fundo Monetário Internacional avaliado em 3 bilhões e, segundo o partido UNITA, no estudo que fez no levantamento que fez, só da adjudicação direta, o presidente João Lourenço, que chegou ao poder em 2017, está a fazer o seu segundo e último mandato, já teria adjudicado mais do que 3 bilhões.

Portanto estes problemas que a ausência de uma fiscalização eficaz, a qualidade da despesa, porque não há, ou seja não há sentido, oportunidade das decisões que o governo toma, as vezes em priorizar este ou não aquele setor, parece não ser muito racional, de modo que, por exemplo, em Angola, as instituições gastam muito dinheiro, por exemplo, em comprar carros de luxo.

Imagina o parlamento de Angola tem 220 deputados e em cada legislatura compra-se um carro avaliado em 200 mil dólares cada carro, com que um parlamentar, por exemplo, usa por 5 anos, é avaliado em 200 mil dólares, todos os deputados têm, não é só o Parlamento, os tribunais também têm, Inclusive a administração pública, quando nós falamos aqui da administração pública, estamos a falar dos departamentos ministeriais, grande parte dos ministros, Secretários de Estado, os diretores nacionais, todos esses também andam com carros quase que do mesmo nível que os deputados. 

Portanto a nossa opinião é que esta qualidade da despesa, ou seja, o fato de o governo gastar em coisas que não são prioritárias face às dificuldades financeiras, faz com que, por exemplo, Angola seja, dos países lusófono, o com o salário mínimo mais baixo de todos, ou seja, nosso salário mínimo são 32 dólares.

Por exemplo, quando se compara com Cabo Verde, que não tem sequer o PIB da Angola, tem o salário mínimo em 150 euros. São Tomé e Príncipe, que é aqui próximo de Angola, a quase 45 minutos, tem um salário mínimo avaliado em 100 dólares, enquanto em Angola o salário mínimo é de 32 dólares.

Portanto, é tudo isso, a questão da dívida, a indisciplina e as superfaturações, ou seja a mesma obra em Angola pode custar, num determinado período, sem grande diferença de fatores extras, pode custar de um ano ou outro pode haver uma diferença de 10 20 30 50 milhões de diferença. Um hospital da mesma dimensão, construído quase que no mesmo perímetro, pode ter 50 milhões um, e depois outro custar 70 milhões. Ou seja, há uma superfaturação que às vezes não há um grande controle. Então, o nosso problema, na essência tem a ver sim com a dívida pública que é enorme, que é metade do orçamento Geral do Estado, mas também tem a ver com essa questão da falta de controle, porque o nosso Parlamento, como sabem, tem o MPLA como bancada maioritária, e o presidente do MPLA, ou seja, o presidente da MPLA é simultaneamente o presidente da República.

Na prática o presidente da República domina o parlamento, porque o seu partido detém a maioria parlamentar e aqui é uma disciplina partidária, ou seja, o sentido do voto do deputado tem que corresponder pelo menos àquilo que é a intenção e é o interesse do partido, de modo que quase que não temos um check and balance aqui. Não temos um check and balance e faz com que o presidente da República faça a gestão do país a seu bel prazer.

Rede: Angola e Nigéria estão disputando quem é o maior produtor africano de petróleo.  Quem fica com a renda petroleira: o Estado angolano ou as transnacionais?

Bom, na verdade, como sabem, o estado angolano não faz investimento nos equipamentos que permitem explorar petróleo. O estado angolano faz a concessão das multinacionais como a Chevron, a BP, e outras. Sim, temos aqui a Chevron americana, temos aqui a Total francesa, temos a BP, temos a Shell, temos aqui também algum investimento chinês, que não tem grande expressão, mas fundamentalmente as principais empresas que exploram petróleo em Angola são a francesa, Total, a Chevron, americana, e a BP, que é britânica.

Portanto, essas são as principais empresas que exploram petróleo. E como digo, o governo de Angola não faz investimento, quer dizer, espera, em princípio, dos impostos que aí vê e, eventualmente, parte de alguns lucros em alguns blocos em que o governo de Angola, ou através da Sonangol, que é a empresa petrolífera nacional, entra como concessionária e, às vezes, é parceira neste ou naquele bloco petrolífero, e então se obtém alguma receita. Mas essas receitas e esse dinheiro nunca foram controlados pelo Parlamento.

Nós temos uma espécie de um estado paralelo, que é a própria Sonangol, e este dinheiro, os gestores da Sonangol recebem essas receitas, recebem dinheiro diretamente, e esse dinheiro não entra diretamente para o cofre do Estado, não vai para o Tesouro Nacional, vai para a conta da Sonangol.

A Sonangol, depois, retira e remete para parte do Tesouro. Mas é que ninguém sabe, ao certo, ninguém consegue ter um controle, porque não há prestação de contas, no sentido de que os gestores da Sonangol nunca vão ao Parlamento prestar contas. Porque o nosso sistema de governo não permite, é supostamente presidencial, e sempre que o Parlamento quiser ouvir ou quiser inquirir um ministro, quiser inquirir um gestor de uma empresa pública, tem de pedir autorização ao Presidente da República, e o Presidente da República autoriza, mas o certo é que a maioria parlamentar não permite. Às vezes, quando são matérias muito incômodas, não permite, bloqueia através do mecanismo legal, bloqueia, por exemplo, esses inquéritos parlamentares, de modo que ninguém tem o controle de quanto é que Angola arrecada e de quanto é que não sabemos. Só sabemos da contribuição que Angola faz para o tesouro, é um caixa dois, e é uma espécie de um caixa dois, na medida em que é um orçamento à parte, a oposição não tem controle disso, os cães não têm controle disso, quem governa basicamente, quem tem controle disso, basicamente, é o gestor principal da Sonangol, e o Presidente da República, a quem ele presta contas diretamente.

De modo que o que nós temos, basicamente, é uma ideia. É que, pronto, quando a receita, o orçamento do estado em Angola é inscrito, a referência é inscrita com base no preço do barril de petróleo. Há esta previsão. Ou seja, quando o barril de petróleo está acima, supõe-se que Sonangol vai contribuir mais, vai contribuir muito mais, por exemplo, para o Tesouro. Mas ela não contribui, quer dizer, o dinheiro não cai todo para a conta do Tesouro Nacional, e depois retira essa metade e vai para Angola. Não é o contrário. A Sonangol recebe todo o dinheiro que vem do setor petrolífero e depois encaminha parte desta para o Tesouro Nacional, bom, em função daquilo que é a contribuição prevista no Orçamento Geral do Estado.

Imagina que o Orçamento Geral do Estado prevê que as receitas petrolíferas deverão ser de 40% do orçamento.A Sonangol faz todo o esforço para arrecadar esse 40% e entregar. Se houver um superávit, é que a Sonangol não faz essa alocação direta, então gera esse dinheiro diretamente com o presidente. De modo que não temos um controle exato das receitas petrolíferas.

É verdade que nos últimos anos, Angola baixou no nível de produção de barris de petróleo, e tivemos que sair da OPEP, porque a cota que a OPEP estava a estabelecer não era compatível para Angola, e Angola teve que abandonar para poder ter esta liberdade de produzir um pouco mais sem ter que respeitar a cota estabelecida pela OPEP. Mas o que isso significa, por exemplo, para as receitas públicas? Não significa muito, porque não tem grande reflexo na renda pública, sobretudo na vida dos cidadãos. 

O orçamento continua a ser o mesmo, como dissemos. A principal forma de distribuição da riqueza é através dos salários. Os salários de um professor catedrático aqui, por exemplo, tem um salário, antes deste aumento, um professor catedrático, que é um dos principais funcionários públicos, por exemplo, tem um salário de quase 500 dólares. Obviamente, nem é salário mínimo em Portugal, por exemplo, são 800 euros. Não é nem é sequer o salário mínimo em Portugal, quer dizer que alguém que trabalha, com todo o devido respeito, quem trabalha, por exemplo, no restaurante chega a ter um ordenado maior, um ordenado superior a um professor catedrático, por exemplo, em Angola. Portanto, não tem-se refletido muito. E qual é a imagem que nós, como é que nós conseguimos aferir exatamente que este dinheiro não tem estado a ser, a ter um benefício na vida das pessoas? Basta depois olharmos para a vida, para o estilo de vida dos governantes. 

Não é, é que qualquer governante, como sabem, qualquer governante em Angola, se estiver no cargo durante 5, 7 ou 8 anos, tendencialmente sai de lá milionário. 

Há muitos casos de corrupção, uma espécie de um "lava-jato" em Angola, ah, né? Nós temos uma espécie de um "lava-jato" em Angola. Exatamente porque grande parte dos ex-ministros do anterior presidente estão a ser responsabilizados criminalmente por conta da gestão gravosa.

Por exemplo, a questão da dívida chinesa. Nós temos uma dívida com a China avaliada em quase 20 milhões. Grande parte deste dinheiro ninguém tem, ou seja, não se sabe ao certo se esse dinheiro todo de fato o Estado terá usado nas obras. A ideia que se tem é que este dinheiro, parte deste dinheiro, ficou no bolso dos gestores, que na realidade tinham a dívida consigo. Por quê? Porque o Parlamento não se pronunciou sobre esta dívida. Ou seja, o Parlamento não autorizou sequer o governo a contrair esse empréstimo. Tão pouco o Parlamento sabia qual era a dívida real que nós tínhamos com a China. 

Portanto, enfim, é só para ter uma ideia concreta de que os recursos, quer petrolíferos, quer diamantíferos, por exemplo, com o anterior presidente, a filha do anterior presidente, por exemplo, era a principal compradora dos diamantes produzidos em Angola. Ela é que determinava o preço, né? Ela é que determinava o preço a pagar, os nossos diamantes. De modo que a contribuição, por exemplo, das empresas diamantíferas para as nossas receitas era muito reduzida, porque parte das receitas, quem determinava era exatamente os filhos do presidente, né, que tinham três, quatro empresas que eram as principais. Portanto. E como sabem, nós temos hoje um dos maiores kimberlitos, é o quarto maior kimberlito, por exemplo, que é o Catoca. Mas isso não tem grande reflexo, por exemplo, na vida dos angolanos.

Rede: O diamante, por exemplo, é explorado há décadas pela DeBeers (hoje parte da Anglo American). No seu ponto de vista quem fica com a maior parte: os ingleses ou os angolanos?

Cândido: Exatamente, pois como digo, não há um controle sobre os recursos, porque as receitas arrecadadas com eles não vão parar diretamente no Tesouro, elas vão parar na conta das empresas. Depois o gestor dessas empresas que, em função da previsão esperada no orçamento, eles alocam aquela verba esperada. Ou seja, o orçamento geral do estado é feito, por exemplo, tendo em conta receitas petrolíferas na ordem de 40%, 40 milhões. O que acontece é que a empresa petrolífera, no caso a nossa empresa, a nossa Petrobras, faz o esforço de arrecadar 40% das receitas previstas no orçamento geral do estado e aloca para conta do Tesouro. Ah, o nosso orçamento às vezes espera prevê uma arrecadação de uma receita de 30% vinda dos diamantes. As empresas diamantíferas angolanas fazem esforço de arrecadar 30% dessas receitas e alocam por conta tesouro. Ou seja, o valor, o dinheiro todo, não vai parar para conta do Tesouro Nacional, de modo que não se tenha um controle exatamente dos recursos. Como disse, nós hoje temos o quarto maior kimberlito do mundo, que nesta altura é a Catoca. A Catoca é uma empresa, é uma sociedade com os russos, da Alrosa, por exemplo, e outras empresas. Mas os reflexos destes valores, destas receitas, não têm estado a ter grande impacto na vida dos angolanos. Mais do que esperava, não estou a dizer que não haja nada, quer dizer, de fato, de 2012, a altura em que houve a paragem da guerra, até hoje, cresceu o número de infraestruturas, hospitais, há muito mais hospitais, há muito mais universidades. Mas, estou aqui a fazer uma comparação, aquilo que era expectável era que tivéssemos um desenvolvimento três, quatro vezes maior do que temos hoje, é por exemplo, era expectável por causa do nível de receitas que o país arrecadou neste curto período de espaço de tempo. Mas o certo é que, como disse, não temos sequer uma autoestrada, o nosso principal aeroporto não tem mais do que três salas de desembarque, por exemplo, que é o Aeroporto Internacional 4 de Fevereiro. Então, foi construído um novo hospital também com endividamento chinês, como podem saber, e Angola solicitou um endividamento, um aeroporto que custou mais do que previsto e ainda assim não está em funcionamento, porque não sabe quando é que ela arranca e nem sabe ao certo qual é o impacto que ele vai ter na economia angolana.

Rede: Interessante que você traz muitas comparações com o Brasil, fala da Petrobras e de casos de corrupção, vamos tentar seguir nesse mesmo sentido, porque aqui, ao final da ditadura empresarial-militar no Brasil (1964-1985), havia 2 partidos. Se dizia na época que um dizia sim e o outro sim senhor Podemos dizer que a mesma lógica se aplica ao bipartidarismo MPLA-UNITA, depois que a Unita votou a Lei Anti Greve e aceitou carros e verbas adicionais?

Cândido: Bom, não por uma razão muito simples. É que o partido UNITA, por exemplo, os membros do partido UNITA têm grandes dificuldades de trabalhar na administração pública. Não têm muito acesso porque ainda continuamos com algum resquício aqui e há uma dificuldade destes militantes da UNITA a serem admitidos na administração pública. De modo que um dos grandes refúgios para eles são os cargos políticos, como se paramento deputados e pelo facto disso eles não têm muitos meios. Ou seja, não há muitos meios. Eles não conseguem muitos meios. E o que se coloca é que face à dificuldade que esse partido tem, como é que ele consegue sobreviver num contexto em que o MPLA domina o exército, domina a comunicação social, domina as grandes empresas públicas, domina o Parlamento, domina a segurança do Estado? Quer dizer, tem o controle de quase tudo. Como é possível fazer política neste contexto? Não é. E depois nós temos estradas nacionais em que é difícil transpor com um carro normal, com carro lá um Renault DUST, por exemplo, é difícil percorrer, por exemplo, as estradas nacionais. E para quem quer fazer política para além disso, às vezes fica sujeito a ter que aceitar esses benefícios. Sim, é verdade que podia muito bem a UNITA podia, e a grande crítica que a sociedade angolana tem feito é que se vocês não concordam exatamente com a forma de gestão, porque razão é que vocês aceitam esse tipo de viatura? É que nunca tivemos, por exemplo, da parte da UNITA, uma rejeição. Não é. Podiam inclusive escolher outros carros mais baratos, por exemplo, um Toyota Land Cruiser, por exemplo, que é muito mais barato, não está na ordem de 200 tal 1000 dólares. E por essa razão é que o partido UNITA também é, eu compreendo de certo modo. Não compreendo que eles aceitem as viaturas, mas compreendo que eles estão num círculo muito mais apertado do que, por exemplo, partido governante. E depois o que acontece? O que acontece é que se UNITA não tem nada a oferecer, não há muitos cidadãos que possam ser atraídos para militar neste partido. E então uma das formas às vezes de ter militâncias é é ter estes privilégios que permitam às vezes atrair alguns militantes.

E fundamentalmente, militantes com qualidade, militantes que têm uma capacidade técnica, que têm uma formação muito elevada, que possam enriquecer a própria UNITA. De outro modo, não tem condições nenhuma de poder atrair quadros de poder, atrair pessoas que não sejam puramente seus militantes. Então a UNITA, os partidos na oposição de um modo geral, estão aqui numa saia justa. De modo que sim, eles algumas vezes professam essa teologia de dizer sim, outro diz mais ou menos. Então eles professam forçadamente esta teologia, não é. Mas eles não têm muito mais, não têm muitos recursos. Não têm muitos recursos.

Rede: Eu só queria voltar ainda à questão do petróleo. Me chamou atenção isso que você falou, que a renda da petroleira não vai direto para o Banco Central ou para o que seja, né? Ele vai para a Sonangol. Isso me faz lembrar muito o que acontece na Venezuela com a PDVSA, quer dizer, o dinheiro, toda a renda petroleira, ela vai direto para PDVSA, e da PDVSA eles distribuem a seu bel prazer. Um jornalista independente da Venezuela, o Domingos Alberto Rangel, até cunhou uma expressão que diz que é a "Boliburguesia". Eles dizem que é um governo bolivariano, então eles são uma burguesia bolivariana, né? E realmente foi assim, os 20 poucos anos do chavismo, 30 quase, gerou uma burguesia com boina vermelha, não sei o quê, tatuado no braço, com fraseologias socialistas, mas que é uma burguesia nefasta mesmo. E é o mesmo esquema que você falou, então ele vai para a Sonangol, lá vai para PDVSA, e dali eles fazem a repartição entre eles, sem nenhum controle, sem nenhum controle. É que quando os Estados Unidos resolve criar alguma forma de embargo à Venezuela, ele não faz ao estado, ele faz à PDVSA. O embargo é às contas da PDVSA nos Estados Unidos, exatamente. E aí que abre a crise entre eles. É muito interessante.

Cândido: É o mesmo esquema. deixa dar nota de que o antigo vice-presidente, um dos gestores que mais tempo ficou à frente da Sonangol, é multimilionário. O ex-vice-presidente está foragido do país, quer dizer, teve que abandonar o país porque tinha aqui um processo, não é? Manuel Vicente, ele chegou à vice-presidência da República, tinha sido o gestor que mais tempo esteve à frente da Sonangol. É multimilionário. E teve que abandonar, vivem todos no palácio. A filha do presidente, do anterior presidente, que também geriu por um período muito curto a Sonangol, também está enfrentando um processo. Exatamente porque fez negócios consigo próprio, né? Pagamentos de consultoria na ordem de c e tal milhões de dólares e tudo o resto. É muito pouco tempo, ou seja, não há um controle. Não é? Não há um controle. O salário, por exemplo. Imaginem, para um país que tem um salário mínimo na ordem de 32 dólares, o presidente da Sonangol tem um salário de 50.000. Eu não sei quanto custa 50.000, não sei qual é a conversão agora para o Brasil, mas o salário, o salário de um administrador da Angola é 50.000 por mês. Não sei quantas vezes mais, não sei quantas vezes mais o salário mínimo nacional. Portanto, esta é a explicação e por isso é que toda essa gente passa por lá e não é pobre nunca mais. Não há nenhum estadista que tenha passado na Angola que seja pobre. Não há. E por quê? Porque grande parte dos negócios, por exemplo, as empresas que ganham os contratos para explorar este ou aquele petróleo, depois aqueles serviços, os serviços que elas requerem, quer os serviços de manutenção, quer, por exemplo, os petroleiros, por exemplo. Imaginem, os petroleiros, todos esses serviços. Ou seja, todos esses serviços são os gestores da Sonangol que encontram, criam empresas. E são essas empresas, esses gestores que prestam exatamente esse serviço. Não sei se vocês sabem, nós somos Angola, é o segundo maior, tá disputar com a Nigéria, como vocês disseram, esta proeminência de quem é o maior produtor de petróleo em Angola. Mas nós só temos uma refinaria, basicamente, e metade das nossas divisas, metade do nosso é usado para comprar, para comprar, para comprar, para comprar, os derivados de petróleo. Portanto, Angola consome mais de 3.000 milhões, 1.3000 milhões, ou seja, o principal, o principal produto de importação de Angola são os derivados de petróleo. São os derivados de petróleo que consomem qualquer coisa como 1.3000 milhões de dólares anualmente. Ao governo, por essa razão é que se pretende retirar subsídios aos combustíveis. Ora, o certo é que sem uma refinaria nós vamos continuar exatamente a comprar petróleo, só que vamos comprar um pouco mais caro. E isso tem reflexo na vida económica, por quê? Porque sobe tudo, não é? Quer dizer, é que se as pessoas compram o petróleo mas é o combustível mais caro, obviamente que tem reflexo no preço dos transportes públicos. E como sabem, Angola não tem uma, não tem transportes públicos organizados, não temos, com a exceção de Luanda, que tem uma empresa muito deficitária que usa ônibus, por exemplo. Nós não temos metrô aqui, temos um comboio, mas não é um comboio velho, que não não consegue, o trem, não sei se vocês falam brasileiros, falam trem, nós falamos aqui comboio. Um não só em Luanda e não consegue, não tem várias linhas, tem uma única linha, por exemplo, que sai do município, do principal município de Lu Viana, por exemplo, até ao centro da cidade. Ponto. Esta é a única linha, não é? Quem quiser usar este transporte tem que estar nesta linha, só. Pena que não há várias linhas, como como se conhece, por exemplo, no metrô ou entre a no Brasil. Portanto, nós temos uma, temos um um serviço de transportes públicos deficitário, quase que não há. E então nós recorremos aos chamados candongueiros, nós designamos aqui aos candongueiros, são esses exatamente que fazem o serviço de transporte público. E esses, obviamente, estabelecem os seus preços em função dos custos que têm, por exemplo, não é? A subida do preço de combustível obviamente vai impor que eles também subam o preço do da corrida do táxi, porque tem tem tem tem tem mais custos, e isso obviamente vai inflacionar quer os custos de produção dos poucos produtores que nós temos em Angola, também vão precisar sobretudo, a pesca, sobretudo, então estamos aqui a pensar que, em princípio, nos próximos dias, o custo de vida em Angola poderá subir muito mais. Como sabem, ao contrário de vocês brasileiros, que consomem quase que 70, 80% do do do do da da produção agrícola, é produzida no Brasil, nós não temos essa essa essa essa possibilidade, importamos tudo, e então uma asfixia as divisas, as poucas divisas que nós arrecadamos com a venda do dos diamantes e do combustível, depois é muito disputada pelos bancos comerciais, porque o privado tem de importar para poder têm de importar a partir do estrangeiro. Isso importa com dólares ou com euro, as divisas fundamentalmente. Então é um isso tem um custo elevado, porque ele compra a divisa muito mais caro, porque a escassez de divisa, então tem de comprar no mercado paralelo, e quando se compra às vezes no mercado paralelo, através de um segundo esquema, eles a tendência é encarecer o produto, contando exatamente com a subida, não é, da divisa, portanto é um é um quadro muito muito muito crítico.

Rede: Certo. Acho que, para encerrar, porque acho que em resumo falamos muito sobre como as gestões corruptas empobrecem a população, das relações das empresas com os governos. Bem, o governo Lula sempre teve estreitas relações com o grupo Odebrecht, acusado de corrupção em todos os países onde atuou. Lula esteve em Angola e em sua delegação tinha um representante da Odebrecht. Na reunião com João Lourenço deu conselhos como um irmão mais velho e se calou frente aos presos políticos e a falta de liberdades democráticas. Se você se encontrasse com Lula, o quê lhe diria?

Cândido: Bom eu entendo que a melhor maneira de aconselhar o presidente é democratizar o país é ajudar a transparência não é trazer mais empresas que depois podem exatamente vão ter o mesmo destino que o de fez por exemplo as obras da Odebrecht em Angola. Muitas delas acabaram sem grande qualidade porque a Odebrecht acabava de fazer uma obra e não muito pouco tempo depois a obra quase que degradável continuou a ganhar grandes obras porque exatamente haviam também este conluio entre o governo PT e o PT não tanto mas fundamentalmente na gestão do presidente Lula não é né este conluio com Odebrecht quase que havia uma proteção desta empresa aqui de modo que continuava mesmo apesar da qualidade das obras continuava a receber. Bom, se tivesse que aconselhar, se tivesse que falar com o presidente, eu esperava exatamente que o presidente Lula pudesse fazer uma crítica mais concreta em relação ao regime político, em relação ao sistema de governo, em relação ao respeito dos direitos fundamentais. Se o presidente Lula se queixasse do ataque à democracia, por exemplo, que aconteceu antes da tomada de posse do presidente Lula, era expectável que ele pudesse também fazer este apelo da democratização porque há presos políticos em Angola, não é? Há falta de liberdade nos órgãos públicos, os órgãos públicos concedem todo espaço por exemplo ao governo e os partidos da Oposição não têm sequer espaço.

Bom, o que nós esperamos do presidente que defende liberdade, que defende a democracia era exatamente transmitir esses valores ao presidente João Lourenço mas entendemos que não queria criar um irritante, não é? Não queríamos criar, não queria um irritante falando da Fome. Sim senhora, foi aplaudido era uma questão a fome mas a fome é a consequência da má gestão, a fome é consequência da falta de transparência, a fome é consequência do regime político que nós temos, a fome é a consequência por exemplo da ausência de uma liberdade de imprensa efetiva, portanto as liberdades têm uma grande influência na gestão do país não é e se o presidente Lula fala da Fome era importante tanto não falar da consequência mas da causa, qual é a causa exatamente da fome? A causa da fome é a má gestão, a falta de transparência, a causa da fome é a falta de liberdade, a causa da fome é uma democracia não não não efetiva concretamente uma democracia formal, portanto eu acho que sim este esta era na minha opinião o ponto de vista queria transmitir ao presidente Lula.

Rede: Muito bom. Cândido deixa eu fazer uma pergunta para vocês, a liberdade de imprensa é uma coisa que sempre nos preocupa. Eu acho muito importante falar que em 2012 desapareceu aí uma jornalista da Guiné, a Miloca. Conte um pouco o que que é isso porque nós conhecemos pouco desse caso aqui no Brasil, e é uma violência muito grande, quer dizer, desapareceu uma jornalista estrangeira dentro do país, bom como é que é isso, explica um pouco?

Cândido: Eu a conheci pessoalmente. Ela trabalhava conosco porque emigrou para Angola e colaborava no jornal da Angola, além de dar aulas numa universidade no curso de Comunicação. Subitamente, ela começou a tecer críticas ao governo. Creio que era o governo do presidente Nuno Vieira, mas ela tinha uma opinião muito crítica sobre todos aqueles presidentes. Parece-me que, na base desse posicionamento muito crítico em relação aos governos da Guiné, ela desapareceu. No entanto, o governo de Angola nunca explicou, e o governo guineense também nunca pediu contas ao governo de Angola. Não consta, por exemplo, que o governo guineense tenha pedido satisfações ou manifestado preocupação publicamente. A Embaixada da Guiné não fez sequer uma comunicação pública, não abordou as associações de jornalistas, não fez nenhuma diligência nesse sentido. Para nós, parece haver uma espécie de crime encomendado, não tanto pelo governo de Angola, mas fundamentalmente pelo governo guineense.

A nossa preocupação é que, sendo um cidadão que reside em Angola, independentemente do interesse ou não, deveria haver uma investigação para apurar exatamente quem está por trás disso. O certo é que não aconteceu. Não é um fato isolado. Tivemos um jornalista morto à porta de sua casa em 1994, e o assassinato nunca foi esclarecido. Esse jornalista tinha um jornal muito crítico, e até hoje não se sabe quem o assassinou.

Em 2022, as residências de jornalistas em Angola tiveram quatro ocorrências de assaltos. Assaltaram a residência de uma representante da Agência de Notícias Portuguesa em Angola, levando o computador enquanto as pessoas dormiam. A sede do sindicato de jornalistas que dirijo foi assaltada quatro vezes, levando apenas o computador, sem arrombamento de portas. Esta semana, a residência de um jornalista mais antigo foi assaltada, e tentaram levar o computador, mas ele estava acordado e impediu. A Comissão de Ética do jornalismo, responsável por garantir a ética na profissão, também foi assaltada, levando o computador. Todas essas ocorrências não têm esclarecimento até hoje. A polícia não diz nada, o serviço de investigação não esclarece. Não existe nenhum órgão de proteção ou rede de proteção para jornalistas. O sindicato de jornalistas é o único que defende publicamente os jornalistas, tanto em questões laborais quanto de liberdade de imprensa. No entanto, não há uma proteção adequada.

Rede: Deixa eu fazer mais uma pergunta para você. O Repórter sem Fronteira diz que Angola subiu 21 pontos em 2023, passando da posição 125 para 104. Isso significa que melhoraram as condições de trabalho do jornalista, ou seja, há menos repressão? Explica aí para mim como é que é isso.

Cândido: A questão é exatamente essa: piorou dos outros, não melhorou em Angola. Por quê? Porque, como se sabe, os Repórteres Sem Fronteiras classificam os países com Liberdade considerada boa. A explicação é básica: quem domina a comunicação social em Angola é o governo, e os órgãos são governamentais, não públicos. Não há televisão privada, a única pertence ao partido. Todas as outras estão ao serviço do governo. A maior rádio é pública, o governo domina 44 canais, todos públicos. O governo é o único que tem jornal diário, não há mais jornais diários. Esses órgãos de comunicação social na prática fazem propaganda política, não jornalismo, porque não é possível encontrar textos que questionem a gestão. Os poucos órgãos que existem são incapazes de contrapor essa força da comunicação social pública. Eu trabalho para um órgão público, e não há grande liberdade. Olhe para a campanha política do ano passado: se olhar para 42 jornais, verá que o Jornal de Angola colocou tantas vezes o presidente do MPLA na capa e não colocou de nenhum outro partido. Os outros países pioraram, nós não melhoramos. O principal regulador de Angola, aquele que concede a licença, é o governo. Não há hipótese de haver melhoria, aliás, em 2022 saímos à rua para protestar contra a censura e a intimidação jornalística, mas esse quadro não mudou.



 

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